13/06/2020 às 13h35min - Atualizada em 13/06/2020 às 13h14min

O REINADO DA IGNORÂNCIA

“A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana.” (Franz Kafka).

Fredo Júnior

Fredo Júnior

"Pessoas feridas são perigosas. Elas sabem que conseguem sobreviver." (Josephine Hart).

Fredo Júnior
Diferente da maioria das pessoas que são obrigadas a sair de casa para trabalhar, mantenho o escritório de trabalho na minha. As saídas têm sido pontuais, essencialmente para fazer compras e cuidar dos nossos pequenos. Sempre devidamente protegido com máscara e álcool em gel.
 
Há duas semanas estive no estabelecimento de um amigo para comprar algumas coisas. Ele, muito atento à gravidade do momento causada pela pandemia, responsavelmente tomou todas as medidas de proteção recomendadas, disponibilizando Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos funcionários e álcool em gel na loja para a higienização deles e dos clientes.
 
Conversa vai, conversa vem, chega na porta um freguês. Cara pelada, sem nenhum tipo de proteção. Meu amigo comerciante pergunta sobre a sua máscara. O sujeito responde que não precisa. Argumento que ele poderia se contaminar e pior, contaminar outras pessoas. Ele diz “isto não vai acontecer porque Deus protege”, paga a conta e vai embora.
 
Ontem (12), voltei à loja para abastecer a criançada. A prosa é boa. Falávamos justamente da negligência das pessoas em relação à doença. A necessidade de empatia para sermos solidários, quando lá pelas tantas aparece um rapaz. E adivinhe? Sem máscara. Meu amigo perguntou se ele havia esquecido a dita cuja.
 
A resposta do moço foi insana. “Eu não uso não. Me falaram hoje que a doença acabou. E se não acabou, Deus vai me proteger. E se eu pegar ele vai cuidar de mim. Só ele sabe a hora de cada um”.
 
Não me contive e perguntei se ele conhecia uma antiga estorinha sobre um naufrágio, em que o sobrevivente, cristão devoto, no meio do mar, clamava para que Deus o ajudasse. Ele disse que não e então pedi para que ele a ouvisse com atenção.
 
Desesperado, o homem gritava por socorro, quando do nada surgiu uma boia bem ao seu lado. O sujeito, porém, permaneceu batendo pernas e continuou gritando freneticamente. Dalí a pouco, ele vê uma tábua enorme vindo em sua direção, do tamanho e peso suficientes para ele pudesse se salvar. Mas, ainda assim o religioso permaneceu onde estava. Por fim, e não menos surpreendentemente, surge um velho barquinho à sua frente. O homem, cegado pela situação, não consegue ir até a embarcação e acaba morrendo.
 
Ao chegar no céu, decepcionadíssimo com Deus, perguntou-lhe o porquê de ter sido abandonado por ele naquela prova.
 
- Eu sempre fui fiel e imaginei que o senhor me livraria daquele mal. Por que me abandonou?
 
- Meu filho, eu não te abandonei. Te mandei a boia, a tábua e um barco e ainda assim você não percebeu. O que mais você queria que eu fizesse?
 
A boia, a tábua e o barquinho da estorinha são a máscara, o álcool em gel e as medidas de distanciamento social que precisamos cumprir por nós, mas sobretudo pelos outros.

O mundo não se resume ao nosso próprio umbigo ou crença.

A ciência não pode ser ignorada.

Muito menos a solidariedade.

Deus sabe bem disso.
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