05/05/2020 às 15h14min - Atualizada em 05/05/2020 às 15h14min

SHOW DA FÉ: BOLSONARO QUER PERDOAR DÍVIDAS DE IGREJAS COM O GOVERNO

Área econômica enxerga a ação como mais uma tentativa de interferência do presidente para atender o seu eleitorado

- Da redação
Com informações do Uol, Estadão/Broadcast, Cartas da Suécia e Conjur
Recôncavo FM
Enquanto milhões de brasileiros estão desesperados, sem saber como irão comer ou tentar pagar as suas contas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pratica uma descarada ingerência na Receita Federal para beneficiar seus simpatizantes e aliados políticos.
 
Na semana passada, o presidente reuniu-se no Palácio do Planalto com o filho do líder evangélico, David Soares (DEM-SP) e com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.
 
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, no encontro, a portas fechadas, o presidente cobrou uma solução para dívidas tributárias que as igrejas possuem com o Fisco. Bolsonaro já teria ordenado à equipe econômica para que resolvesse o assunto. Contudo, enfrenta a resistência do órgão, pois o perdão das dívidas traria prejuízo às contas públicas.
 
DÍVIDA MILIONÁRIA
A Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por R. R. Soares (com quem o presidente já se encontrou em outras ocasiões), acumula R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União - terceira maior dívida numa lista de devedores que somam passivo de R$ 1,6 bilhão.
 
A mesma igreja ainda tem outros dois processos em curso no Carf, tribunal administrativo da Receita, que envolvem autuações de R$ 44 milhões em valores históricos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
 
Em um vídeo divulgado em redes sociais em outubro de 2016, R. R. Soares aparece em um evento ao lado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje preso após condenação na Operação Lava Jato, citando multas aplicadas às igrejas que chegavam a R$ 600 milhões até 2014.
 
A ordem do presidente foi recebida na área econômica como mais uma tentativa de interferência do presidente em assuntos internos de um órgão para atender o seu eleitorado.
 
EXEMPLOS
A jornalista Cláudia Wallin, em seu blog, “Cartas da Suécia”, escreve sobre o sistema de tributação no país, especificamente no contexto religioso. “[...] Como qualquer pastor sueco, Ulla Marie Gunner paga impostos sobre o salário e qualquer tipo de benefícios que recebe da igreja – incluindo casa, carro e eventuais ajudas de custo. E como toda igreja sueca, a Immanuelskyrkan é taxada pelo Leão por qualquer renda que não seja empregada para fins estritamente cristãos [...]”.
 
Advogado tributarista, o também jornalista Raul Haidar, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur, publicou um artigo sobre o assunto em 2016. “[...] Várias entidades que se intitulam igrejas já se transformaram em impérios econômicos, cujo poder ninguém sabe até onde vai e cujos lideres exercem esse poder de forma totalmente obscura ou mesmo através de ordem hereditária. Não há exagero em vermos tal situação como estado dentro do Estado. Afinal, há redes de comunicação (TV, Rádio, jornal) e até partidos políticos agindo abertamente como órgãos subordinados a instituições religiosas, onde é possível a subordinação dos eleitos à hierarquia da seita [...]”.
 
OPINIÕES
O deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), um dos líderes da chamada “bancada evangélica” criticou e chamou de "mentirosa" reportagem do Estadão/Broadcast . Ele confirmou em postagem no Twitter que o presidente Jair Bolsonaro "exigiu" a análise de dívidas de igrejas com a Receita Federal. Ele garante, no entanto, que essa avaliação seria feita "à luz da lei".
 
“O presidente deveria governar o Brasil e não privilegiar alguns líderes religiosos. A maioria das igrejas brasileiras está bem longe da realidade dos evangélicos midiáticos. Existe gente séria, honesta, dedicada e que não faz da fé uma profissão. Acredito que a tributação deveria ser de acordo com a arrecadação. Ou seja, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, declarou Scharlles Silva, pastor da Comunidade Missão, Comunhão e Vida em Vila Velha e Cariacica (ES).
 
O Reverendo Pe. Antonio Francisco, da Missão Anglicana de Araras (SP) segue a mesma linha de pensamento. “Toda grande estrutura deve ter imposto, diferente daquelas comunidades que não tem seu trabalho como fonte de renda. A Missão Anglicana de Araras, por exemplo, não tem templo. Sua evangelização é realizada nas casas e não sobrevivemos de renda. Tudo é revertido e não acumulado. As igrejas com estrutura devem pagar impostos porque acumulam fortunas. Seja católica ou protestante”, comentou o sacerdote.
 
Não foi a primeira vez que Bolsonaro tentou impor à Receita a revisão das multas das igrejas. O ex-secretário da Receita Marcos Cintra disse a interlocutores que não ceder a essa ordem foi um dos motivos para ter deixado o cargo.
 
Há duas semanas, Sérgio Moro deixou o governo acusando o presidente de exigir relatórios de investigações sigilosas da Polícia Federal e, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo, o Ministério Público Federal abriu inquérito para apurar uma ordem de Bolsonaro para revogar portarias do Exército.
 
Tentativas de interferir na Receita já resultaram em crises políticas. No governo Luiz Inácio Lula da Silva, a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff foi acusada pela secretária do órgão Lina Vieira de pedir para aliviar uma investigação que envolvia a família Sarney. Lina deixou o cargo e Dilma precisou se explicar ao Congresso.
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