Isac Nóbregas Um desejo do presidente Jair Bolsonaro, que agradaria à base evangélica no Congresso Nacional, que dá sustentação ao governo, provocou divergências com o Ministério da Economia. Bolsonaro quer que os templos de maior porte passem a pagar tarifas mais baratas de energia elétrica no horário de ponta, iguais às cobradas durante o dia, quando não há uso de luz nos recintos.
Uma minuta enviada pelo Ministério das Minas e Energia desagradou aos integrantes da equipe econômica, que segue orientação de Paulo Guedes, defensor da redução de benefícios estatais desse tipo, segundo fontes da pasta. Apesar da discordância, o ministério estuda como aplicar a medida.
E ainda há um problema difícil de destrinchar: o valor a menos que seria pago pelos templos na conta de luz teria de ser arcado por outros consumidores, aumentando o ônus de terceiros. Esse impacto tarifário é visto como empecilho para o crescimento do país, considerando-se a energia elétrica como insumo importante para atração de novos investimentos.
Bolsonaro já fez outras “gentilezas” para os evangélicos: conseguiu aprovar no Congresso uma lei de incentivos fiscais a igrejas até 2032 e também liberou os templos de realizar as obras de adaptação para acessibilidade para portadores de necessidades especiais até o altar e o batistério. A resposta de “agradecimento” viria em forma de ajuda das igrejas ao presidente para coletar as milhares de assinaturas necessárias para criar o novo partido, o Aliança pelo Brasil.
O objetivo do governo é diminuir a conta de luz de consumidores de maior demanda, como catedrais, basílicas e outros templos, que pagam tarifas mais caras no horário de ponta, quando são feitas muitas celebrações religiosas. A ideia seria equiparar as tarifas mais caras dos horários de maior consumo às cobradas no resto do dia. O horário de ponta varia de acordo com cada distribuidora, mas dura três horas seguidas, entre o fim da tarde e o início da noite.
Bolsonaro pretende intensificar sua atuação como garoto-propaganda do partido que pretende criar, o Aliança pelo Brasil. Na tentativa de conseguir arrecadar até março as 491,9 mil assinaturas necessárias para colocar o partido de pé a tempo de estrear nas eleições municipais, Bolsonaro deve viajar para 21 estados até o fim de fevereiro e participar pessoalmente da coleta de apoio em alguns desses locais, principalmente no Nordeste. Segundo a direção da legenda em criação, 100 mil assinaturas foram recolhidas até agora.
Apesar de ser direcionada a todos as religiões, o alvo principal da medida são os evangélicos, que têm uma bancada forte na base do governo Bolsonaro. O bispo Robson Rodovalho, fundador da Sara Nossa Terra, afirmou que o presidente é “o primeiro a dar real importância às igrejas”. Segundo ele, um subsídio assim não havia sido discutido até agora por “falta de vontade política”.
O sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, Adriano Pires, repudia a medida. “É absurda. Não dá para governar refém de grupos de interesses, porque uma hora vai ser a igreja, outra serão os caminhoneiros, outra as montadoras”, critica Pires, que é especialista na área de energia. Ele entende que o valor que os templos deixariam de pagar teria de ser custeado por outros consumidores. “É preciso lembrar que a economia é um jogo de soma zero. Se um não paga, o outro paga por dois. E como o governo justificaria, por exemplo, que vai subsidiar energia das igrejas e não de escolas ou de hospitais?”, afirmou.
O avanço da pauta conservadora e de medidas de interesse de igrejas não acontece ao acaso – segue um roteiro de expansão de ideias puritanas deliberadamente traçado para influenciar políticas públicas, de acordo com a socióloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Maria das Dores Campos Machado, que estuda o tema há mais de 15 anos.
A socióloga afirma que o que classifica como “transferência de recursos públicos para determinados grupos ou segmentos sociais” acontece desde antes do atual governo. “Primeiro, as ideias deles são defendidas por institutos e ONGs, criados para disseminar valores ligados à doutrina e à moralidade cristã. Depois esses valores aparecem como iniciativa pública", explicou.
Ela cita a campanha de abstinência defendida pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. As iniciativas, segundo Maria das Dores, muitas vezes partem de atores do movimento republicano conservador dos Estados Unidos. Um exemplo de organização do tipo é o grupo Capitol Ministries, que é financiado pelo vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e fez em 2019 um evento no Congresso brasileiro