Facebook O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas (SP) recebeu uma grave denúncia contra a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Araras. A entidade não teria repassado aos bancos, as parcelas de empréstimos consignados contratados por funcionários e que são descontadas na folha de pagamento mensal.
A inadimplência gerou desconforto e constrangimento aos colaboradores, visto que, segundo apurado pela reportagem, alguns deles foram impedidos de contratar serviços em outros bancos e financeiras por conta da restrição bancária em seus CPFs, em razão dos débitos em aberto.
O assunto, que vinha sendo mantido em sigilo foi confirmado por uma fonte ouvida pela reportagem. Segundo ela, os funcionários estão constantemente receosos em expor a situação de precariedade na relação de trabalho com a entidade, justamente pelo medo de retaliações e demissões promovidas pela direção da Santa Casa.
De acordo com a Assessoria de Comunicação do MPT, outras irregularidades foram levadas ao órgão, como os desvios de função, jornadas extraordinárias em desacordo com a lei, exigência de dobra nos plantões, falta de pagamento das horas extras devidas, férias não remuneradas, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) não depositado, sobrecarga de trabalho de trabalhadores que assumem pacientes da UTI em percentual acima do previsto em lei.
Procurado pela reportagem de O Independente, a diretora do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde (Sinsaúde), Tereza Aparecida Mendes confirmou a denúncia, o que já havia jeito ao MPT . “Os atrasos no repasse dos empréstimos consignados foram objeto de atraso de três meses, por esse motivo houve a atuação do sindicato com a devida regularização”, declarou a sindicalista.
No dia 29 de outubro, o Ministério Público do Trabalho recebeu do Sinsaúde informações adicionais sobre as denúncias recebidas. O sindicato afirmou que atraso no pagamento das férias vinha acontecendo, mas após o contato com o sindicato com a direção do hospital a situações foi regularizada. Confirmou também que houve a terceirização do setor de Raio-X, e que na ação judicial que requer o pagamento do FGTS não depositado, existe uma proposta de parcelamento dos débitos.
Na semana passada, outra fonte ouvida pela reportagem afirmou que a ISCMA teria diminuído o valor do adicional noturno de 60 para 40% e que a direção teria fabricado uma lista com a assinatura de funcionários que aprovaram a medida. Tereza Mendes desmentiu esta informação e garantiu que “a lista é legítima, pois constam os nomes dos trabalhadores que participaram da assembleia e aprovaram a mudança proposta para a categoria”, comentou a dirigente.
CASO SEMELHANTE
Em 2014, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), em um caso semelhante, entendeu que o empregador que faz convênio de empréstimo consignado é responsável por repassar à instituição financeira todos os valores descontados diretamente do pagamento do funcionário. ‘‘A retenção (...) caracteriza não só conduta culposa da reclamada, como também crime de apropriação indébita, previsto no art. 168 do CP
[Código Penal]’’, afirmou a relatora do recurso no TRT-4, desembargadora Brígida Barcelos Toschi.
‘‘Ainda que tenham ocorrido fatos alheios à vontade da empregadora que a impediam de efetuar o repasse, deveria ela ter providenciado o ressarcimento dos valores retidos imediatamente ou então providenciado o pagamento individualizado dos financiamentos dos empregados que estavam tendo os descontos efetivados’’, escreveu Toschi. A decisão foi unânime. (MARTINS, Jomar; Empresa que fica com parcela de empréstimo consignado deve indenizar. Revista Consultor Jurídico. Disponível em
https://www.conjur.com.br/2014-dez-29/empresa-fica-parcela-emprestimo-consignado-indenizar. Acesso em 12 nov 2019).
PROBLEMAS ANTIGOS
A Santa Casa de Araras – maior unidade de atendimento público de saúde do município - passa por uma séria crise financeira há muitos anos. E são muitas as razões. A direção da entidade sempre apontou duas causas principais: o atendimento acima da sua capacidade e a escassez de recursos, entenda-se a falta de reajuste na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS).
Entretanto, a estrutura administrativa nunca sofreu o enfrentamento necessário. O “gargalo” gerencial criou um abismo salarial que dividiu trabalhadores e foi cultivado por gestões ora personalistas, ora ineficientes, e em algumas delas, ambas. A soma desses fatores contribuiu para que a ISCMA registrasse sucessivos déficits operacionais.
Em 2005, parte da sociedade civil arregaçou as mangas e criou a Associação Amigos da Santa Casa de Araras (ASSOCIAMA), desenvolvendo importantes ações com o objetivo de arrecadar recursos financeiros. Porém, por conta da baixa adesão da população e até onde se tem conhecimento, o grupo suspendeu as suas atividades.
Na segunda-feira (11), o Independente manteve contato com a administração da Santa Casa de Araras por telefone e também por e-mail, para que ela pudesse apresentar a sua versão dos fatos. Contudo, até o fechamento e publicação desta matéria, mais uma vez, não obtivemos retorno. No dia 30 de outubro, o MPT estabeleceu um prazo de 20 dias para que a entidade apresentasse a sua manifestação a respeito das irregularidades denunciadas.