20/11/2019 às 11h38min - Atualizada em 20/11/2019 às 11h38min
O ENEGRECIMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA BRASILEIRA INCOMODA A QUEM?
Pesquisas produzidas no âmbito do próprio governo federal, via IBGE – como a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), bem como investigações realizadas no curso da formação continuada de professores (dissertações de mestrado e teses de doutoramento), confirmam a ideia de que as ações afirmativas foram necessárias
Fábio Eduardo Cressoni
Toda Matéria Fábio Eduardo Cressoni (*) Diferentes meios de comunicação noticiaram na última semana que, pela primeira vez na história do Brasil, a população afrodescendente passou a ser maioria – pouco mais de 50% - no ensino superior público brasileiro, em especial nas universidades federais. O ingresso de um número majoritário de negros neste setor da educação em nosso país é decorrente do estabelecimento de ações afirmativas no campo educacional, em especial políticas de cotas raciais que, aliadas, as cotas sociais – destinadas a estudantes oriundos do ensino médio público, com famílias empobrecidas, diante das desigualdades impostas pelo sistema capitalista – conseguem rompem as barreiras físicas e simbólicas do preconceito e da descriminação e adentrar em um universo antes dominado por uma elite e uma classe média hegemonicamente brancas.
É importante destacar que as ações afirmativas no Brasil possuem uma historicidade própria, cujos principais atores são os movimentos negros que, ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, tencionaram e continuam tencionado os governos estabelecidos no país a adotarem políticas públicas específicas para uma população que não possui as mesmas oportunidades de ingresso e permanência no ensino superior público brasileiro.
Pesquisas produzidas no âmbito do próprio governo federal, via IBGE – como a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), bem como investigações realizadas no curso da formação continuada de professores (dissertações de mestrado e teses de doutoramento), confirmam a ideia de que as ações afirmativas foram necessárias para que a população negra em um país racista como Brasil pudesse atingir essa modificação na base da estrutura racial e social daqueles que ocupam os bancos escolares das universidades brasileiras.
Nesse sentido, temos muito a celebrar neste dia 20 de novembro, data estabelecida pelos movimentos sociais negros, a partir da contribuição do poeta e professor universitário afro-gaúcho Oliveira Silveira, como marco temporal da resistência e existência negra por meio do Quilombo dos Palmares, sediado na região nordeste, no século XVII, bem como de seus protagonistas, como Zumbi dos Palmares e Dandara.
O feriado de hoje busca superar uma concepção eurocêntrica de sociedade, em um contexto pós-abolicionista ainda racializado em nosso país. Ou seja, a comemoração do dia 20 de novembro marca o confronto com o racismo ainda persistente no Brasil. Todavia, esse confrontar-se com a história e a memória que nos remetem a escravização de negros e negras no Brasil, bem como das desigualdades que produzimos ao longo dos processos abolicionista e pós-abolicionista, possuem uma potencialidade pedagógica para sujeitos negros, indígenas e brancos: a possibilidade de todos nós, nos reeducarmos para as relações etnicorraciais em nosso país.
Para seguirmos em frente, deveremos oportunizar maiores políticas de acesso e permanência para a população afrodescendente no Brasil na educação e em outros setores estratégicos, como geração de emprego e renda. Ao mesmo tempo, a população branca deverá reconhecer que, diante de um cenário pós-escravista, esta possuí privilégios decorrentes de seu fenótipo, isto é, de sua brancura, privilégios esses que em uma sociedade racista se convertem em relações de poder assimétricas, advindas de sua branquitude.
Nesse sentido, que a população negra possa visualizar na data de hoje o simbolismo de Palmares e se sentir-se disposta a aquilombar-se cada vez mais diante de homens brancos e covardes, como aqueles que executaram a vereadora Marielle Franco, bem como seus seguidores, como o parlamentar branco, ligado ao partido político do Presidente da República que, nesta semana, destruiu charges de um cartunista que expunha um trabalho na galeria da Câmara dos Deputados, em Brasília, acerca da educação para as relações etnicorraciais.
(*) Doutor em História (UNESP), mestre em Educação (UNIMEP), Pós-Doutorando em Educação (UFSCAR) e professor adjunto na Universidade Federal das Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB-CE)