Que a tecnologia e as redes sociais democratizaram o acesso à informação, todos nós sabemos. Entretanto, o “real time” (tempo real) também trouxe implicações, ainda mais se o assunto estiver relacionado ao interesse público.
No último sábado (24), uma postagem no Facebook trouxe à tona um assunto que não é novo e sempre esteve presente na Administração Pública, em todas as gestões: a situação financeira da prefeitura de Araras e o atraso no pagamento aos seus fornecedores.
A denúncia apresentou um texto e imagens de cartas, e-mails de cobrança e avisos de suspensão no fornecimento de medicamentos e produtos de limpeza, enviadas pelas empresas à prefeitura de Araras. Documentos de procedimento administrativo, quase todos relacionados ao Pregão Eletrônico 51/2018, do processo de licitação 1344 do mesmo ano.
As empresas apontadas são Daher Distribuidora de Medicamentos, Atons Hospitalar, Inovamed Comércio de Medicamentos, Dupatri Hospitalar Importação e Exportação Ltda, CDR, CCM Licitações, Mafra Hospitalar e Official Paper. Algum tempo após a publicação, as imagens dos documentos foram deletadas da postagem original.
O Independente, como preconiza a prática do bom jornalismo, antes de publicar qualquer conteúdo sobre o episódio, realizou a checagem das informações postadas na rede social. A apuração teve seu início ainda no sábado, quando a reportagem tentou contato com o autora da postagem através de mensagem via Facebook. Contudo, até o fechamento e publicação desta matéria não obteve retorno.
Ainda no sábado, mantivemos contato com a Secretaria de Comunicação Social e Institucional da prefeitura de Araras (SECOM) para tomar conhecimento da versão do governo sobre a denúncia. Na segunda-feira (26), terça-feira (27) e quarta-feira (28), as empresas citadas também foram procuradas.
A CCM Licitações, cuja cobrança de R$ 47.104,60 era relativa ao fornecimento de produtos de limpeza, informou que consta apenas em aberto um empenho de R$ 37.710,00, vencido há 150 dias, em 28 de março de 2019. A diretora do departamento jurídico da empresa, Alessandra Tavares, complementou a informação dizendo que “o próximo passo a ser tomado será a notificação extrajudicial para que a prefeitura cumpra o pagamento do débito.”
Com um valor de R$ 100.289,93 a receber desde março, a Atons Hospitalar (Atons do Brasil) manifestou-se sobre o caso por meio de uma nota, esclarecendo que “o documento em tela foi direcionado de forma exclusiva aos endereços de e-mail utilizados por servidores públicos da Secretaria de Saúde, e tinha o escopo específico de integrar o procedimento para os fins legalmente estabelecidos. Trata-se, portanto, de documento estritamente vinculado à relação jurídica contratual mantida entre esta empresa e o Município de Araras. A Atons do Brasil declara que não tem qualquer responsabilidade pelo vazamento das informações contidas no documento, não tendo, ainda, qualquer interesse na divulgação de seu conteúdo”, finaliza o comunicado assinado pela gerente do departamento jurídico, Luciana Alves Campos.
Mafra e Dupatri também foram contatadas. A primeira teria a receber da prefeitura o valor de R$ 143.253,76, e através de seu departamento de Mercado Público limitou-se a declarar que “não poderia se manifestar sobre o contrato.” A seu pedido, um e-mail com a cópia da sua própria carta de cobrança foi encaminhado à Dupatri na tarde de segunda-feira (26), mas até o momento da publicação da matéria não obtivemos retorno.
O Independente manteve contato com a empresa Inovamed, sendo orientado a deixar o telefone de contato para que um representante pudesse retornar à ligação, o que também não ocorreu. Sobre a Daher, apesar de várias tentativas, também não foi possível estabelecer comunicação com o seu representante. Já a CDR não dispunha de um telefone para contato.
Por telefone, Yago Cristino, representante da Official Paper, declarou que “de fato havia um débito da prefeitura de Araras em aberto, de aproximadamente R$ 16 mil, referente à compra de papel higiênico, mas a pendência foi liquidada no mês de julho.”
A prefeitura de Araras, em nota econômica, informou que “não há falta de medicamentos à população em toda rede municipal de saúde, seja nos postos ou no estoque do Dispensário de Medicamentos da Secretaria Municipal de Saúde. Sobre o pagamento dos fornecedores, o atraso está dentro do limite tolerável.”
O Independente tem por princípio básico, o comprometimento irrestrito com o direito à informação e o sigilo de fonte. E oferecê-la corretamente nos dias atuais é um desafio que procuramos exercer com ética e responsabilidade, caminhando bem longe da ingerência dos mais variados interesses.
Entretanto, algumas questões neste episódio precisam ser respondidas. Considerada a gravidade do atraso nos pagamentos e da alegada precariedade na saúde pública, existiu outra motivação para que documentos de procedimentos estritamente administrativos pudessem ser publicados? E o mais preocupante, como, por que e por quem os mesmos foram vazados?