O encolhimento de 4,1% do PIB brasileiro no ano de 2020, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é apenas um dos dados mais sintomáticos a respeito do impacto da pandemia de Covid-19 na economia brasileira. A alta da inflação, cuja estimativa média para 2021, de acordo com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), é de 6,79%; o crescimento da pobreza, que atinge, de acordo com a FGV (Fundação Getulio Vargas), 27 milhões de pessoas; e o aumento do número de brasileiros em situação de fome, que chega a 19 milhões, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), são estatísticas que podem dar uma dimensão mais prática ao tamanho da crise socioeconômica que acompanha a tragédia sanitária no Brasil.
Tal situação de vulnerabilidade econômica e social do país se reflete, também, no endividamento e na maior procura por empréstimos bancários por parte dos brasileiros. No primeiro caso, dados de dezembro de 2020 da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, fornecidos pela CNC (Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo), indicou que 66,3% dos consumidores brasileiros estavam endividados. Complementando este panorama, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios da Covid-19 (Pnad Covid19) de outubro de 2020, elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostrou que, entre os 68,7 milhões de domicílios avaliados, em cerca de 6 milhões (8,7%), algum morador solicitou empréstimo junto a um banco.
Acossados pela urgência que a situação de insegurança financeira impõe, muitos brasileiros acabam, no momento de abrir uma conta-corrente, por contrair empréstimos ou parcelar dívidas, não se atentando a alguns detalhes. E estes pormenores que passam despercebidos podem ocasionar alguns gastos que poderiam ser evitados caso os cidadãos tivessem maior ciência de seus direitos.
Para Ana Brez, que já atuou como gerente de contas bancárias e é profissional do mercado financeiro há mais de 11 anos, “Existem muitos detalhes escondidos nos contratos dos quais, se o cliente não se atentar, provavelmente também não será alertado sobre a existência pelos profissionais do banco”. A profissional cita alguns exemplos em que o cidadão, bem-informado de seus direitos de consumidor, evita prejuízos financeiros na contratação de serviços bancários.
Abertura de conta-corrente
De acordo com a Resolução nº 3.919/2010, estabelecida pelo Banco Central em 2008, todos os bancos nacionais são obrigados a disponibilizar, de forma gratuita, a abertura de contas correntes para pessoas físicas. Ou seja, “todo cidadão brasileiro tem direito a abrir uma conta-corrente em qualquer banco livre de tarifas”.
Para Ana Brez, este é um dos exemplos mais comuns sobre como a desinformação a respeito dos Direitos do Consumidor no âmbito dos serviços bancários pode levar um cidadão a ter gastos dispensáveis.
“Se for calcular quanto foi pago ao mês e ao ano, com o passar do tempo, de tarifa que os clientes poderiam evitar pagar, eles teriam a oportunidade de direcionar esse valor para investimentos e dispor de uma boa quantia”, diz a educadora financeira. “Quem sabe, poderiam até ter uma reserva de emergência, que a maior parte dos brasileiros ainda não tem”.
Seguro prestamista em financiamentos ou empréstimos
Muitas vezes, junto às parcelas de financiamento de um automóvel, ou de empréstimo consignado, é embutido um seguro prestamista (espécie de seguro que pode ser acionado em situações em que o segurado esteja impossibilitado de continuar pagando o que deve).
Brez cita a Resolução 365, de 2018 do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) para lembrar que tal inclusão não é obrigatória: o documento é claro em apontar que “a contratação do seguro é opcional, sendo facultado ao segurado o seu cancelamento a qualquer tempo, com devolução do prêmio pago referente ao período a decorrer, se houver”.
Para a profissional, “o cliente que sabe de seus direitos pode recusar tal produto e não passa anos pagando um seguro que, muitas vezes, nem sabe que tem”. Ana Brez ressalta que, em muitos casos, só é informado ao cliente o valor total da parcela, “sem a discriminação do que há dentro”.
“As instituições consignatárias e demais financeiras devem deixar claro que o seguro prestamista é opcional, pois pode ou não ser contratado, ficando a critério do cliente tomar essa decisão”, pontua.
Custo Efetivo Total (CET) e diferenças nos valores de taxas
Outra questão lembrada pela consultora financeira diz respeito à existência de um campo, presente nos contratos de parcelamento de dívida ou de financiamento para compra de bens, chamado CET (Custo Efetivo Total), onde é obrigatório que seja discriminada a soma de todas as taxas e impostos incidentes no contrato. Ela ressalva, porém, que “muitas vezes o vendedor, apostando na desinformação do cliente, demonstra ou circula uma taxa - e isso acontece muito em promoções de financiamento com taxa zero -, mas a taxa total do contrato é outra”.
Tal informação consta na Resolução nº 3.517 do Banco Central, em seu artigo primeiro. “É muito importante conferir se no CET está constando o valor da taxa acordado. Caso não esteja, é prudente dar um passo atrás na negociação e pedir que se ajustem os valores”, diz ela, lembrando que todas as empresas são obrigadas a informar o CET na assinatura de um contrato.
“Quando comparar ofertas de empréstimo, não olhe somente a taxa de juros! Avalie com muita atenção o Custo Efetivo Total de cada proposta. Nem sempre o empréstimo com juros menores é o mais barato ou mais vantajoso. As tarifas, encargos e seguros podem deixar o custo final maior, apesar dos juros menores”, alerta.
Seguro de cartão de crédito
A contratação de seguros que protegem o consumidor contra perda e roubo de cartões de crédito é, de acordo com a profissional, um gasto dispensável. “As administradoras de cartão de crédito sempre tentam oferecer aos clientes seguros que protegem o consumidor contra perda e roubo. Órgãos de defesa do consumidor entendem, porém, que se o cartão for furtado e o cliente fizer o bloqueio, qualquer compra feita a partir dali será de responsabilidade da administradora, mesmo que ele não tenha o seguro”, explica.
Compra de imóvel na planta sem assessoria
Por fim, a última dica de Ana Brez diz respeito às burocracias da compra de imóveis na planta. Ela afirma que, nestas situações, o consumidor costuma ser cobrado pelo Sati (Serviço de Assessoria Técnico Imobiliária), uma assistência oferecida por advogados indicados pela imobiliária. “Esta cobrança não é ilegal, mas também não é obrigatória. O contrato pode ser fechado mesmo sem a contratação da assessoria”, pontua.
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